O Supremo Tribunal Federal (STF) condenou nesta quinta-feira (8) o deputado federal Asdrúbal Bentes (PMDB-PA) por esterilização ilegal de mulheres no interior do Pará. No processo, ele era acusado de mandar fazer as cirurgias em troca de votos nas eleições municipais de 2004, quando Bentes concorreu à prefeitura de Marabá (PA).
O parlamentar foi condenado a 3 anos, um mês e 10 dias de prisão em regime aberto, além de uma multa de R$ 7,6 mil. A pena, no entanto, leva apenas em conta o crime de esterilização que, segundo a denúncia, infringia lei que regulamenta o planejamento familiar. O crime eleitoral, pela suposta compra de votos, prescreveu.
A defesa do parlamentar negou as acusações e alegou que Bentes não poderia ser condenado por não ser médico. Não cabe recurso que modifique a decisão, mas os advogados ainda podem apresentar apelações ao STF para tentar adiar a aplicação da pena.
De acordo com a lei brasileira, o preso em regime aberto é obrigado a exercer alguma função durante o dia, como trabalho ou estudo, mediante autorização do juiz, e nos dias de folga à noite deve ficar recolhido, mas a lei não especifica onde pode ser a reclusão.
Após o fim do prazo para questionamentos da defesa, a Câmara dos Deputados deverá ser informada da condenação para definir o futuro de Bentes como parlamentar. De acordo com a Constituição, cabe apenas ao Legislativo cassar o mandato eletivo. (Fonte: Portal ORM)
No site do Supremo Tribunal Federal (STF):
“Por votação majoritária, o
Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou, nesta quinta-feira (8), o
deputado federal Asdrúbal Mendes Bentes (PMDB-PA) pela prática do crime de
esterilização cirúrgica irregular, previsto na Lei de Planejamento Familiar
(artigo 15 da Lei 9.263/1996), à pena de reclusão de três anos, 1 mês e 10
dias, em regime inicial aberto, mais 14 dias-multa, no valor unitário de um
salário-mínimo. Os efeitos da condenação serão regulados no momento da execução
da pena, após o trânsito em julgado da condenação. A decisão foi tomada no
julgamento da Ação Penal (AP) 481, relatada pelo ministro José Antonio Dias
Toffoli.
De acordo com a denúncia
formulada pelo Ministério Público Federal (MPF) e ratificada pelo
procurador-geral da República, Roberto Gurgel, no período entre janeiro e março
de 2004, que antecedeu as eleições municipais daquele ano, o então candidato a
prefeito de Marabá (PA), deputado Asdrúbal Bentes, com o auxílio de sua
companheira e sua enteada, teria utilizado a Fundação “PMDB Mulher” para
recrutar eleitoras mediante a promessa de fornecer gratuitamente a realização
de cirurgias de laqueadura tubária.
Ainda conforme a denúncia,
as eleitoras teriam sido aliciadas, cadastradas e encaminhadas ao Hospital
Santa Terezinha, naquela cidade paraense, onde teriam se submetido à
intervenção cirúrgica denominada laqueadura tubária, sem a observância das
cautelas estabelecidas para o período pré e pós-operatório, tanto no que diz
respeito a cuidados médicos quanto àqueles referentes ao planejamento familiar.
Da denúncia consta, também
que, como o hospital mencionado não era credenciado junto ao SUS para a
realização de laqueadura tubária, teriam sido lançados dados falsos nos laudos
exigidos para a emissão de Autorizações de Internação Hospitalar (AIH), nos
quais constavam intervenções cirúrgicas de outra espécie, para cuja realização
o hospital era autorizado pelo SUS. Posteriormente, preenchidos os documentos
ideologicamente falsos, o referido hospital teria recebido verba do SUS
correspondente ao pagamento dos serviços supostamente prestados.
O procurador-geral afirmou,
entretanto, que investigações realizadas junto a pacientes que passaram por
cirurgia de laqueadura de trompas no Hospital Santa Terezinha mostraram que as
incisões nelas verificadas confirmaram tal operação, desmentindo a realização
de cirurgia de outra espécie cobrada do SUS, pois esta comportaria uma incisão
e consequente cicatriz no abdômen, inexistente nas pacientes analisadas.
Domínio
de fato
Ao pedir a condenação do
deputado pelos delitos mencionados, o procurador-geral da República disse que
crimes praticados em contexto eleitoral são dissimulados, não ocorrendo às
claras, sendo impossível colher prova direta de sua autoria, mas neles a
idealização é clara.
No caso presente, observou
Roberto Gurgel, o deputado, criador e mantenedor da Fundação PMDB Mulher, teria
sido o mentor das ações de sua companheira, de sua enteada e de um candidato a
vereador, também do PMDB, no aliciamento de mulheres para votar nele em troca
da laqueadura tubária, bem como de parte da equipe médica do Hospital Santa
Terezinha.
Ele disse que, embora não
seja possível apontar a prática de aliciamento direto de eleitores por parte do
deputado, aplica-se ao caso a teoria do domínio de fato. De acordo com essa
teoria, segundo o procurador-geral, é autor do crime quem tem o poder de
decisão sobre o fato. Assim, seria também o deputado o chefe da quadrilha que
praticava os crimes mencionados, sendo ele o autor intelectual e coordenador
dos demais agentes. Segundo o procurador-geral, a certeza da autoria deve ser
extraída do contexto comprobatório, da análise conjunta de todas as provas
colhidas. “As provas que instruem os
autos não deixam dúvidas de que o denunciado é o mentor da cooptação de votos”,
afirmou Roberto Gurgel, ao pedir a condenação do deputado.
Ausência
de crime
O advogado João Mendonça de
Amorim Filho, na defesa do parlamentar, afirmou que a denúncia do MPF se baseou
unicamente em “inquérito policial caricato”, cujo caráter, segundo ele, é
“meramente informativo”, uma vez que conduzido sem contraditório.
Segundo o advogado, não há o
crime previsto no artigo 299 do Código Eleitoral, porquanto os fatos narrados
na denúncia se referem ao período pré-eleitoral, de janeiro a março de 2004,
quando Bentes sequer era candidato. Isto porque, prossegue o advogado, o crime
de aliciamento de votos somente pode ocorrer no período que vai do registro da
candidatura até a data da eleição, inclusive. E, no caso, o suposto crime
descrito na denúncia se refere ao período ocorrido entre janeiro e março de
2004, sendo que o registro da candidatura somente se deu em junho daquele ano.
Segundo o defensor do
deputado, o que se aplica ao caso é o princípio da verdade real, que só admite
prova material de autoria. E esta, observou, não existe relativamente aos
crimes imputados ao deputado. “Indícios não são suficientes para presumir
consumado o crime do artigo 299 do Código Eleitoral”, afirmou ele.
O mesmo se aplica, ainda
conforme o advogado do deputado, à imputação do crime de formação de quadrilha.
Tampouco, ainda segundo ele, há prova material de que estaria envolvida uma
enteada, porquanto ele não é formalmente casado com sua companheira. Do mesmo
modo, por isso mesmo, tampouco haveria a figura de genro de enteada.
Quanto aos demais crimes –
estelionato e realização de procedimentos em desacordo com as normas de saúde e
de planejamento familiar –, ele disse que o parlamentar nada tem a ver com
eles, pois são de alçada estritamente médica ou administrativa, isto é,
referem-se à equipe médica e administrativa do Hospital Santa Terezinha e estão
fora do alcance do parlamentar.
Voto
do relator, ministro Dias Toffoli
Inicialmente, o ministro
Dias Toffoli rejeitou a preliminar sustentada pela defesa de que Asdrúbal
Bentes não poderia ser incriminado, pois, à época dos fatos (entre janeiro e
março de 2004), ainda não era oficialmente candidato do PMDB ao cargo de
prefeito municipal de Marabá (PA). Em seguida, passou a analisar cada crime
imputado a Asdrúbal Bentes: corrupção eleitoral, esterilização irregular de
mulheres, estelionato e formação de quadrilha.
Em relação aos crimes de
corrupção eleitoral, estelionato e formação de quadrilha, foi declarada a
prescrição da pretensão punitiva do Estado pelo fato de o deputado eleitoral
ter mais de 70 anos. Por conta disso, a ação penal foi julgada procedente
parcialmente. Em relação ao crime de esterilização cirúrgica irregular, Bentes
foi condenado à pena de 3 anos, 1 mês e 10 dias em regime inicial aberto.
Também foram aplicados 14 dias-multa, sendo cada dia-multa arbitrado em um
salário mínimo.
Corrupção
eleitoral
De acordo com o relator, o
artigo 299 do Código Eleitoral, que dispõe sobre o crime de corrupção
eleitoral, não contém nenhum marco temporal para que a prática seja
caracterizada, não havendo qualquer exigência relativa ao fato de o candidato
já ter sido escolhido em convenção partidária.
“Para a caracterização do
crime em apreço, impõe-se a vontade dirigida ao fim colimado no preceito da
norma incriminadora, ou seja, a vontade livre e consciente do agente em
corromper – dando, oferecendo, prometendo vantagem para obter o voto dos
eleitores. Em outras palavras, o dolo específico visando a essa finalidade
espúria”, afirmou Dias Toffoli. O relator ressaltou que, em depoimento, o
próprio deputado afirmou que deu orientações para que os “encaminhamentos das
mulheres ao Hospital Santa Terezinha” fossem interrompidos depois que seu nome
foi escolhido em convenção, o que ocorreu em junho. Embora tenha sido
reconhecido o cometimento do crime, incidiu a prescrição.
Esterilização
irregular
O relator considerou
caracterizada a participação indireta de Bentes no crime de esterilização
cirúrgica irregular previsto na Lei 9.263/96 por cinco vezes, já que as
testemunhas afirmaram que não foram orientadas sobre métodos alternativos de
contracepção nem sobre os riscos do procedimento. A lei prevê um prazo de 60 dias
entre a manifestação da vontade e o procedimento cirúrgico, período em que a
mulher interessada terá acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo
aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a
esterilização precoce.
“Pelos mesmos motivos que
ensejaram o reconhecimento da participação do denunciado no crime de corrupção
eleitoral, chego à conclusão de que, em relação ao presente delito, igualmente
concorreu o réu para a prática irregular dessas cirurgias. Não é crível que pudesse
ele desconhecer o tipo de procedimento que ofereceu e propiciou às eleitoras já
referidas, porquanto era essa exatamente a ‘dádiva’ ofertada às mulheres que
foram abordadas em seu reduto eleitoral para cooptar-lhes o voto em seu favor”,
disse o ministro Dias Toffoli acrescentando que, como deputado federal e
advogado, Bentes não poderia desconhecer a irregularidade. Pelo cometimento
deste crime, o relator propôs a condenação a 3 anos, 1 mês e 10 dias, além de
14 dias-multa. O relator propôs a conversão da pena em pecúnia (100 salários
mínimos) e ainda a inelegibilidade de Bentes pelo prazo da pena.
Estelionato
Embora o relator tenha
concluído pela materialidade do crime de estelionato (artigo 171 do Código
Penal), com o agravante de ter sido cometido contra a entidade de direito
público (SUS), foi declarada a prescrição da pretensão punitiva deste delito,
pelo fato de Asdrúbal Bentes ter mais de 70 anos. O ministro salientou que,
como o Hospital Santa Terezinha não era credenciado pelo SUS para fazer laqueadura
de trompas, as Autorizações para Internação Hospitalar (AIH) era fraudadas de
modo a permitir o reembolso dos procedimentos. Para o ministro Dias Toffoli,
ficou claro a “economia” feita pelo político, que comprou votos com dinheiro
público. À época dos fatos, o reembolso de cada laqueadura variava entre R$
200,00 a R$ 369,00.
Formação
de quadrilha
O relator considerou
caracterizada a ocorrência do crime de quadrilha ou bando, previsto no artigo
288 do Código Penal, mas, também em razão da idade de Bentes, foi declarada a
prescrição. Para o ministro Dias Toffoli, ficou evidente que o grupo atuava com
divisão específica de tarefas, com um propósito comum: a captação ilícita de
votos. Segundo o relator, Asdrúbal Bentes era “o líder oculto” do grupo, pois
se utilizava de prepostas pessoas para obter vantagem eleitoral.
Revisor,
ministro Luiz Fux
No mesmo sentido do relator,
votou o ministro Luiz Fux, revisor da ação penal, ao frisar que o acusado
tinha, efetivamente, o poder de mando para a prática do fato. “A condenação do
réu é medida que se impõe quando as provas dos autos apontam para a procedência
das imputações”, disse. Contudo, Fux, ao contrário do relator, não converteu a
pena privativa de liberdade em restritiva de direitos.
Segundo ele, o delito foi
praticado com uma “significativa interferência na higidez física das mulheres”,
tanto que duas delas depois se arrependeram no sentido de que pretendiam ter
filhos. Fux classificou o crime como um “artifício extremamente danoso”,
entendendo que, “exemplarmente, deve merecer a reprimenda da Corte porque
ultrapassou os limites imaginários do ser humano, essa forma de corrupção
eleitoral”.
Ministra
Cármen Lúcia Antunes Rocha
A ministra Cármen Lúcia
Antunes Rocha também acompanhou o relator pela condenação do parlamentar “Este
é um caso triste do ponto de vista da cidadania porque, relativamente a essas
mulheres, isso significa a falha do Estado em educação e saúde”, afirmou.
Especificamente quanto aos crimes, a ministra considerou não haver dúvida em
relação ao quadro fático da realização das cirurgias. No que se refere à pena
imposta, no entanto, a ministra seguiu o entendimento do ministro Fux, votando
pela não conversão em pena restritiva de direitos.
Ministro
Marco Aurélio
O ministro Marco Aurélio
abriu divergência, ao votar pela absolvição do réu. Em relação ao artigo 15 da
Lei 9.263, o ministro observou que o crime previsto nesse dispositivo refere-se
ao desrespeito quanto à necessidade de o corpo médico do hospital alertar a
destinatária da laqueadura sobre os efeitos e aguardar o prazo de 60 dias para
a realização da cirurgia. “Não se pode dizer que ele não observou o prazo entre
a busca da cirurgia e a feitura da cirurgia e que também não observou a lei
quanto a não se tratar de um hospital credenciado”, salientou, ressaltando não
imaginar que o acusado tivesse domínio sobre tais situações.
Quanto ao crime de
estelionato, o ministro Marco Aurélio afirmou que não pode concordar que o
acusado tinha conhecimento que o hospital, para obter o reembolso, utilizava
uma fraude ao não ser credenciado para a intervenção cirúrgica. Ele ressaltou
que a prática criminosa não se presume, “mas tem que ser demonstrada de forma
cabal”.
Ministro
Ricardo Lewandowski
O ministro Ricardo
Lewandowski seguiu o voto do relator. Ele disse entender que se o STF recebeu a
denúncia também por quadrilha, deve entender que estaria configurada a
co-autoria nos crimes eleitoral, de estelionato e de esterilização proibida.
O ministro divergiu apenas
quanto à substituição da pena. Para o ministro, o artigo 43 do Código Penal só
autoriza essa substituição quando não estiver presente violência ou grave
ameaça. Segundo Lewandowski, as vítimas foram induzidas a erro e levadas a
realizar uma esterilização sem conhecer as consequências, e acabaram sendo
vitimas de lesões graves. Nesse ponto, o ministro explicou que o artigo 129 do
Código preceitua que a lesão corporal pode ser considerada grave quando resulta
inutilidade de membro, sentido ou função. Para Lewandowski, no caso ficou
caracterizada a violência pelo resultado.
Ministro
Ayres Britto
Também votou pela condenação
do deputado o ministro Ayres Britto. Para ele o Ministério Público se
desincumbiu bem em seu papel acusatório, comprovando devidamente a autoria dos
delitos e materialidade dos delitos.
Quanto à substituição da
pena, o ministro Ayres Britto disse entender que a resposta penal do estado
estará melhor dada no plano das finalidades da pena de castigo, de profilaxia
social, da inibição de comportamentos análogos, e também de ressocialização.
Para o ministro, essas finalidades estão contempladas mais adequadamente no
voto do ministro Luiz Fux.
Ministro
Gilmar Mendes
O ministro Gilmar Mendes
acompanhou o relator, exceto na parte em que ele propôs a substituição
(conversão) da pena privativa de liberdade em pena restritiva de direitos.
Nesse ponto, ele votou com o ministro Luiz Fux.
Ministro
Celso de Mello
O ministro Celso de Mello
ressaltou ter se convencido da argumentação do procurador-geral da República,
Roberto Gurgel, a respeito da perspectiva da “teoria do domínio do fato”,
especificamente do domínio funcional do fato. “Essa teoria aplicada ao caso não
torna exigível que o réu tenha se incumbido da execução pessoal, direta, da
própria ação descrita no núcleo do tipo penal”, disse.
Ainda de acordo com Celso de
Mello, os elementos dos autos “mostram que tudo ocorreu em um contexto
tipicamente eleitoral, em busca de um resultado eleitoral, ainda que em uma
fase pré-eleitoral”. O ministro afirmou isso ao descartar argumentos no sentido
de que o crime de corrupção eleitoral somente se aplicaria após escolhida uma
determinada candidatura em convenção partidária.
Ao também votar contra a
conversão da pena, ele frisou que “o comportamento do réu é extremamente
grave”. Para o ministro Celso, “os pressupostos legitimadores da conversão de
uma pena privativa de liberdade em pena meramente restritiva de direitos não
estão todos presentes (no caso)”.
Ministro
Cezar Peluso
O presidente Cezar Peluso, por sua vez, ressaltou que,
“tanto para os congressistas como para deputados estaduais (e distritais), a
mera condenação criminal em si não implica, ainda durante a pendência dos seus
efeitos, perda automática do mandato”. Segundo ele, “é preciso que se deixe ao
juízo elevado do Congresso Nacional e das Câmaras e das Assembléias
Legislativas examinar se aquela condenação, pela sua gravidade, é tal que se
torna incompatível com o exercício do mandato parlamentar”. O presidente do STF
afirmou que o que se deve fazer é comunicar a decisão do STF à mesa da Câmara
dos Deputados, para que ele tome a decisão que quiser.”
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